1ª Parte
Nas físico-químicas,
podemos encontrar substâncias ou compostos de elementos em estado
que se denominam estáveis ou instáveis. Quando o cientista analisa
e age sobre estes elementos na busca de algo, transporta consigo um
princípio epistemológico relacional entre vida e matéria.
Como se depreenderá
facilmente, não é possível em pensamento político adoptar a mesma
raiz epistemológica quando se lida com um estado composto por
homens. Revelar-se-á indigno de qualquer organização política,
não considerar para além da costumeira análise matéria-vida
(economia), as análises de origem epistemológica vida-psique
(ciência política) e, obviamente, psique-pneuma (arte
política).
Sem o descrito, a
ausência de estado acentuar-se-à ainda mais, caso no meio político
se verifique a existência de um movimento caótico em termos
sociais.
Um país que viva em
estado de instabilidade social, sem regime, sem doutrina, poder-se-á
chamar-se de estado? Habitualmente, nesta situação, continuará a
se denominar estado mas unicamente em termos formais (de jure),
faltando a substancia que preencha essa mesma forma (de facto).
Destarte, poderemos assim
proceder à construção dos alicerces físicos, psíquicos e
pneumáticos do que se denomina Estado de facto (sendo este
independente ou não).
Iniciando em termos do
preceito epistemológico matéria-vida, podemos sem grande receio de
errar, afirmar que para que exista estado, os seus membros terão que:
- Comer, beber e ter habitação -, pois sem o preenchimento destas
três condições não será possível o passo seguinte, ou seja, a
passagem para o preceito epistemológico da relação entre vida e psique. Situação à qual o sapientíssimo Agostinho da
Silva se referiu: - Comeu? Bebeu? Dormiu? Muito bem! Está então
pronto para ser educado.
Preenchendo os preceitos
acima descritos, existirá então a passagem à educação (didáctica
ou ainda formação), palavra derivada do latim educare, por
sua vez com ligação ao verbo ex ducere, que tem como
significado intrínseco: - Libertar, extrair, guiar de dentro para
fora – conceito este, onde de maneira nenhuma pode ser confundido
com instrução, palavra derivada do latim instructio,
que significa: - adaptar, ordem, disposição.
A
educação tende a permitir a ligação entre
a anima (no seu
sentido lato) ou alma,
com o princípio, ou
por outras palavras, com o
estágio
mais alto do espírito humano, evitando desta forma a absorção por
parte dos indivíduos
e seus respectivos líderes, de
mitologias hodiernas e respectivas crenças (Mitologia = do grego
mythos (enredo) +
Logos (pensamento) -
pensamento sobre um ponto do enredo, substituindo dessarte o
princípio).
Passando
do período de educação para o período de instrução,
verificou-se no passado tal
como hoje, que os
indivíduos sujeitos ao processo educativo, tendem a manter
esta ligação com o
princípio.
No
que diz respeito ainda à
educação, urge um esclarecimento. Verifica-se que um
significativo número de elementos do sexo feminino da sociedade que se
mostram contra o processo educativo na escola. Frases como: - A
educação dá-se em casa não na escola - não são mais do que
afirmações de quem confunde dois estágios diferentes desse
processo didáctico que é a educação.
Tal como a filosofia portuguesa afirma por intermédio de seus
ilustres representantes do
passado, a mulher, é eternamente a educadora do homem. Não será
por outro motivo, que cada vez que se denomina alguém ou geração
de mal educada, são os elementos do sexo feminino que tendem a
reagir com indignação face a tal afirmação, pois a mulher, mesmo
sem a devida confirmação
intelectual, sabe que a educação é algo que lhe pertence. Todavia,
hoje, assim
como Delfim Santos nos fez lembrar, perdeu-se toda a informação
educativa que existia até ao governo do Marquês de Pombal. A
educação administrada pelo feminino incide
sobretudo na relação da criança com o mundo (costumes
comportamentais), divergindo
esta, daquela mencionada pelos filósofos, que se predica numa
iniciação ao auto
conhecimento de si próprio, do que pode levar ao mundo, completando
o processo educativo feminino que incide no movimento da relação
estabelecida da criança com o a
rodeia (diferença
entre o que está
estabelecido e o que se deve estabelecer (que
vem de dentro)).
A
própria mulher, embora muitas vezes sem consciência disso, é a
primeira victima da ausência da educação masculina. Frases como: -
“já não há Homens” -, ou títulos de ensaios como: -
“Machos há muitos, Homens há poucos” -, não são mais
que a confirmação do que Álvaro Ribeiro nos referiu acerca da
evolução de cariz aristotélica do homem, onde este embora
aprendendo alguma gramática, nunca ultrapassa ou domina a
dialéctica e, por consequência procede na vida (até ao fim desta)
com a agressividade típica de um adolescente, sendo incapaz de
ascender ao varonil estágio retórico, ante-câmara do amor. No
momento em que escrevemos, o País é dominado por tecnocratas e
mecanocratas com o consequente comportamento apátrida e, se
prestarmos atenção e ouvirmos as intervenção públicas por parte
do público feminino usando os órgãos de comunicação social, assistimos à
vulgar denominação de “criançolas” para adjectivar os
governantes.
Entre
dois homens, um educado e instruído e outro apenas instruído, que
tenham optado ambos por seguir uma carreira
em física, nos cálculos
matemáticos inerentes ao seu trabalho, o primeiro tenderá a
espantar-se devido ao facto de conseguir abstrair para matemática
conceitos complexos sobre o
que o rodeia, embora
permaneça nele o eterno
mistério da essência do “1”
(capacidade de espanto
permanente). O Segundo,
seguindo meramente as normas e regras que lhe foram instruídas na
academia, tenderá a não reflectir essa permanente relação com o
mistério, espantando-se apenas
ocasionalmente com a natural descoberta de novos factos, ou
doutro modo: -
quando soluciona algo, encerra o mistério (O
que António Telmo apelidou de: - Passagem do vivo ao
morto).
Não
são poucas as vezes que ouvimos pessoas referirem e com acerto, que
a juventude não está no corpo mas no espírito. Infelizmente, da
maneira como é afirmado, o ouvinte encara esta afirmação como um conceito
compensador por parte de alguém que já possui uma idade avançada,
confundindo desta forma juventude com modernidade. Daí, em termos do
discurso político, ouvirmos com frequência, o
tecnocrata, ou homem
com pensamento tecnológico (se
seguir-mos a nomenclatura usada por Martinho Heidegger),
afirmar que deseja para Portugal um País moderno (do latim modernus.
Que brilhantemente Hernâni
Cidade traduziu como - o
que segue a moda do dia. -
Ou em termos populares -
Maria vai com as outras).
No entanto o que se prescreve para qualquer sociedade, predica-se na palavra juventude,
do latim “juventus” (sopro, vento), palavra que significa: O que se
encontra no meio, entre o infante (o que não fala) e o
adulto (o que fala). O que se encontra entre o princípio e a actualidade, ou seja ainda, o que une o início (no homem, nação, País, etc...) com os dias de hoje (age-se hoje, com o espírito de sempre).
Repetindo, a existência da instrução sem educação chama-se como dissemos mitologia, do
grego mythos, que
significa enredo e, logos, que
significa pensamento. Ou
seja, mitologia, significa pensamento incidindo sobre um ponto ou
parte do enredo.
O
homem actua de duas formas diferentes face à mitologia: - de
forma crente -,
crendo
e simultaneamente trocando
o principio pelo ponto do enredo, seguindo e agindo na vida como se o
segundo fosse o primeiro. Ou ainda
de forma exegética, onde o
ponto no enredo tem como finalidade o movimento de religação (ou
religião) com o princípio.
Neste
acto de guiar de dentro para fora a que se dá o nome educação,
surge no homem a ligação interior com algo existente nele (entre
outras): - A Política.
Sendo
essa ligação mais estreita em alguns homens que noutros, o que será
o mesmo que afirmar, que a política surge de forma activa em alguns
homens, de forma passiva noutros (Todos homens sentem e discorrem
sobre política, mas nem todos são políticos (o que não faz deles
melhores ou piores, apenas diferentes)).
A
religião da antiga Grécia, diz-nos que após Prometeu (o titã) ter
trazido o fogo aos homens, estes começaram a industriar, a lavrar
etc..., por outras palavras: a progredir no mundo. Mas,
simultaneamente, iniciaram um processo de roubo e de guerra entre si.
Então, Zeus, o rei e pai dos deuses (a justiça e a harmonia
(Zeus + Hera = Arc. S. Miguel)), ao verificar o que se
passava, para acabar com o conflito, enviou aos homens o seu
mensageiro; Hermes, o deus da inteligência e da eloquência, de
forma que este ensinasse aos homens a arte da Política.
A Zeus, competiu a
responsabilidade de transmitir aos homens a arte da política, mas
como podemos perceber, o rei e pai dos deuses, não se preocupou em
transmitir aos homens ciência política. Os deuses, tiveram como
missão transmitir aos homens informação sobre o que não muda e,
que transporta o homem em direcção ao uno, deixando no entanto,
espaço para que o homem aprenda e apreenda por si próprio
informação no que diz respeito ao que muda: Ciência. Como afirmou
o vate lusitano: - O mundo é composto de mudança.
Destarte,
a política é pois composta por arte política e por ciência
política. À primeira compete a função intelectual e espiritual de
unir. À segunda, compete consubstanciar a primeira e, agir,
desunindo as ameaças a essa mesma união (Um pintor necessita de
ciência do saber pintar, para poder expressar a sua arte (a técnica
de saber pintar não é arte)).
A
ciência política sem a presença da arte política (postura
mitológica. Inversão do segundo pelo primeiro), residirá carente
da sua função consubstanciadora e construtiva, não perdendo por
outro lado o seu papel divisionista, destruidor. Daí o popular
dizer: - Dividir para reinar (Maquiavelices sem arte política,
não será mais que a virtude de um canalha).
A
passagem da educação à descoberta da política activa por parte do
homem, transporta-nos para a terceira análise de cariz
epistemológico, ou seja psique-pneuma, pois o que governa ou reina é
a pneuma e o intelecto que a procede.
No
entanto, a política activa num homem de nada serve sem que este
possa comunicar. Para além dos meios de comunicação necessários à
política e consequentemente ao político, a estes será impossível
comunicar sem energia. Arriscando ofender o espiritista mais
prosélito, afirmamos que os mortos fisicamente não comunicam pelo
facto de não possuírem energia.
Temos
pois reunidas todas as propriedades que são necessárias à
composição de um estado de facto. Para que este possua
se predique no real. Este terá que fornecer a si próprio: - Comida,
bebida, habitação, educação, política, comunicação e energia.
Um
País onde os seus naturais não possuam controlo sobre as
propriedades acima descritas, poder-se-á dar o nome de estado sob o
ponto de vista formal, nunca sob um ponto de vista formal e
substancial (de facto), devido à evidência, de não ser
possível agregar os três leituras epistemológicas numa só (a
quarta leitura), tal como acontece em termos literários com a
epopeia (onde a acção é una). Lembramos que tanto Camões como
Dante afirmavam, que existiam quatro maneiras de ler as suas imortais
obras (Assim como a Bíblia, Corão, Avesta Etc...).
Caso
a leitura das propriedades de um estado não seja efectuada de forma
epopeica
(una
– o que o homem é), só residirão as outras duas formas
restantes:
- a trágica – onde o homem se faz inferior aquilo
que é; e, a cómica – onde o homem se faz superior aquilo que é
(face ao
estado real, ambas são ilusórias (se
é ilusório, logo não é –
mas ilude-se na
tentativa de ser)).
Verifiquemos
então dentro do que foi afirmado, que expressões pode um estado
assumir. O estado pode assumir uma expressão Monárquica,
Aristocrática ou Democrática, o que em termos formais significa: a
forma como organiza as suas instituições. Corrompendo a três
expressões de um estado acima descritas, teremos e por ordem:
Tirania, Oligarquia e Ditadura de uma maioria.
Por
motivos práticos face ao que rodeia os portugueses e Portugal hoje,
apenas incidiremos o nosso espírito sobre a Democracia (Poder do
Povo).
Sobre
isto, será boa prática relembrar o que nos deixou o eruditíssimo
Álvaro Ribeiro em texto do início do ano de 1976:
(…) A Democracia não
é uma instituição, nem está definida na Constituição. Não tem
existência concreta nem essência abstracta . Desse modo, tudo
quanto seja dito para servir a Democracia soará como um falso
balbuciar de palavras sem ideias nem significações.
Dir-se-á como um
servilismo mitológico, impróprio de homens que receberam o primeiro
grau de cultura, e que assumiram fácil consciência da sua
liberdade.
A Democracia não é
uma deusa para adorar ou invocar. Tornam-se portanto execravelmente
ridículos os bonzos que se tratam uns aos outros por democratas, já
que nos aparecem convictos de que são eles depositários ou
mandatários da Cracia, em alemão Kraft, em português Poder. Quem
os iludiu de que alguma vez foram investidos em tão discutida e
evanescente dignidade?
Porque não imitam a
modéstia do povo?
Para
além da
expressão de um estado, sujeita à necessária psicanálise, ou,
à
passagem da filologia à filosofia, a democracia pode também
definir-se como movimento ( Não tem existência concreta
nem essência abstracta), em que
o homem verifica a sua presença não no substantivo
(.A Democracia não é uma deusa para adorar ou invocar),
mas no adjectivo -
Democrático.
No
entanto, como se verifica, não só em relação à Democracia como
em relação ao que rodeia o homem em geral, existem duas atitudes
básicas diferentes
por parte deste: - Entre o democrata e, o que pretende o que é
democrático. Entre
o consumidor,
em que o consumo se baseia numa acumulação
de
objectos físicos ou ideológicos e, o coleccionador,
o que adquire
com
pretensão de
tornar algo
perfeito, física
ou ideologicamente.
Tomando
por empréstimo a nomenclatura usada no conhecimento
do marketing e comunicação
como maneira
de
definir o comportamento do consumidor, teremos
que definir a raiz deste como um comportamento
circular com acentuação numa trindade.
O
consumidor segue na vida orientado por interesse (dinheiro,
posição intelectual, posição social, Etc.), logo, não é
possível ser possuído por interesse sem a imperativa
presença do medo. Na presença destas duas propriedades
provocadoras e provocantes da degeneração do carácter humano, será
impossível não obter uma terceira – a honra. Honra esta, não
ligada à nobreza, mas aos mitos e crenças da época sobre o que é
ou não é ser honrado.
Destarte,
afirma-se que o consumidor vive em constante estado de conflito, não
só com o que o rodeia mas também consigo próprio, tal como nos diz
Tucídides na sua magnifica obra A guerra do Peleponeso: -
Só há três maneiras de se iniciar e fazer a guerra: Pelo
interesse, pelo medo e pela honra.
Como
será fácil cogitar, o comportamento do homem acima descrito não é
isento de afectar esse movimento social que desagua num regime
democrático, a começar pela análise que se faz da própria
democracia. Uma das maneiras mais fáceis de se observar um estado
onde se constate o poder do povo, é exactamente a busca do que é
oposto ao poder no homem, ou seja, a solidão.
Seja
alvo de uma interpretação esotérica ou exotérica, facilmente se
concordará que ninguém é possuidor de poder se estiver ou se
sentir só, daí a multiplicação nos nossos dias dos chamados
grupos de pressão, ou lobis, e ainda, a multiplicação de
organizações sindicais e associações de beneficência. Poder-se-á
no entanto colocar, e bem, a democracia sob a égide de um movimento
messiânico. Devido à imperfeição humana e à constante mutação
do mundo, não é possível ao homem a construção de regimes
políticos perfeitos, destarte, não será incorrecto afirmar, que se
pode verificar a presença da democracia num regime onde se verifica
a tentativa de retirar a solidão ao homem.
A
menos que queiramos ferir de morte o silogismo e assim enveredar pelo
quelho da irracionalidade, afirmamos que num regime em que não se
verifique na sua acção esse movimento de união (luta contra a
solidão), ele não poderá ser chamado de democracia, pois o seu
movimento é contrário ao poder do povo. Por outras
palavras e em termos de imagem, um homem poderá ir do Porto a Lisboa
e regressar de Lisboa ao Porto. O que será impossível, é um homem
ir do Porto a Lisboa e regressar do Porto a Lisboa.
O que
se verifica em todo o mundo ocidental, de onde os portugueses
copiaram sem qualquer espírito crítico, sem a dignidade que a sua
pátria e sua história com quase novecentos anos merece, é uma
confusão entre democracia e sufragismo. È certo que não existe
democracia sem a presença de sufrágio, mas o contrário já não se
verifica. Ao constituir um “ismo” no que diz respeito ao
acto de sufragar, este não é revelador da presença da democracia
tal como a nossa história confirma, pois os Reis visigodos eram
sufragados, mas face ao que sabemos, nunca passou pelo intelecto de
um visigodo afirmar que vivia em regime democrático.
Embora
Alexis de Tocqueville, na sua imortal obra Democracia na América,
já nos referisse na altura o desagrado que lhe causava a ideia que
os americanos tinham sobre a ditadura da maioria à qual denominavam
democracia, desagrado aliás legítimo, visto a ditadura da maioria
não ser mais do que a negação da própria democracia, é no
entanto o pensamento do tragicamente assassinado Presidente norte
americano Abraham Lincoln, que surge na voz dos pseudo-ideólogos do
regime como majestática personagem que dá credibilidade a este
patusco malabarismo ideológico.
É um
facto que Abraham Lincoln defendeu esta tese. Não é menos verdade,
que ao filósofo ou a qualquer pensador livre honesto, esta teoria em
si própria é totalmente incompreensível. O mesmo já não
acontecerá, se atendermos ao que rodeava esta imortal figura da
história americana.
Abraham
Lincoln, cuja governação se deu em pleno conflito bélico, em plena
guerra de secessão, tinha como adamastino problema a trágica e
ultrajante situação de milhares de escravos negros que povoavam os
estados do sul da federação e, que obteriam a sua liberdade em
breve.
Para
esta população, desumanamente condicionada não só em termos
psíquicos como em termos físicos, a ideia de colocar uma cruz num
papel e, que essa mesma cruz valesse em termos quantitativos tanto
como uma outra cruz colocada num papel por um outro homem, não só
possui em si um fim didáctico, como também um fim político.
Predicando-se esta ideia em algo que eleva esta ilustre personagem
histórica acima de qualquer refutação por parte de um filósofo ou
pensador livre, pois estes, caso não esteja presente essa disfunção
gramático-espiritual a que se dá o nome de estupidez, verificarão
que se encontram em presença de um Homem bom, logo, da
bondade (irrefutável virtude teologal).
Qualquer
analogia que se possa fazer entre um escravo negro da América do
séc. XIX, alguém física e psiquicamente condicionado com o homem
ocidental do séc. XXI (apenas psiquicamente condicionado), seria,
como tanto gostava de dizer o inesquecível Delfim Santos: - Talvez
seja demasiado muito.
Indo
além de Aquino, que nos referia que um sistemas político ideal
deveria ser constituído por um misto de Democracia,
Aristocracia e Monarquia, afirmamos, que mesmo que se
queira compartimentar um regime em apenas numa das opções
referidas, tal não é possível, sendo simultaneamente algo que se
demonstra por si só. Se olharmos para o os países constituintes do
apelidado mundo ocidental, de imediato identificamos o monarca (ou
tirano por corrupção). Figura mais ou menos respeitada, mais ou
menos manipulada, que salvo excepção, se lhe atribui o nome de
Constituição. Quanto à pretensa Aristocracia (ou oligarquia
por corrupção), esta está presente na substancia ou ausência
desta, nos mitos e crenças dos apelidados hoje líderes de opinião,
que as impõem ou defendem. Estando ainda, os líderes institucionais
da sociedade dependentes do voto popular, não se poderá de maneira
nenhuma excluir a presença da democracia (ou ditadura da maioria).
A
diferença mais ou menos visível, mais ou menos sentida, será na
maneira como as sociedades se regem e, como tal, no peso das decisões
da política configuradas nas instituições.
Existem
várias maneiras de estabelecer uma diferença entre monarquia e
tirania. Uma das mais vulgares e infalíveis, não é a tão
divulgada violência por parte da personagem ou instituição que a
representa, pois essa mesma violência pode ser provocada em defesa
de uma tirania ou monarquia (Erro de Poper, quando atribuía à
aristocracia platónica o epíteto de tirano). A diferença entre
monarquia e tirania, pode ser facilmente observada na forma como as
sociedades punem os seus constituintes, ou seja, a maneira como lidam
com o facto de infracção igual, punição igual e sofrimento
diferente ser admitido ou não directamente pelo poder político.
Sociedades de consumo, que punem com coimas seus cidadãos sem prévia
análise do seu património, pretendendo confundir poder de compra
com valor a pagar face a uma infracção, não serão mais que
tiranias crapulosamente encobertas por evanescentes mitos.
No
que diz respeito à aristocracia e à oligarquia, esta será talvez a
diferença mais fácil de observar, pois uma breve análise sobre o
poder hodierno dos mitos e crenças dessa mesma sociedade, nos
mostrará face a qual delas estamos presentes. Como exemplos: -Numa
sociedade onde impere o poder de um culto religioso e o subjacente
poder clerical, tenha decisão de vida ou morte, riqueza ou miséria
sobre os constituintes, ou numa sociedade onde impere a economia e
exista uma enorme diferença entre pobres e abastados, serão
reveladora da existência de uma oligarquia (O aristocrata, é o que
genuinamente é pelo outro (Une, logo, inibe grandes disparidades)).
Voltando
à democracia, restar-nos-á identificar a razão pela qual o homem
ocidental persiste na crença que o seu sistema político se predica
na democracia. Para tal, vale a pena reler um pequeno excerto do
discurso de Leonardo Coimbra no Parlamento português sobre a Questão
Universitária.
“(…) As
Universidades são, pois grandes factores de evolução da crença. E
assim é que sempre que um bando tenta impor uma crença, adormecer o
espírito humano num certo associonismo psíquico, esse bando vai à
conquista das Universidades”.
Para
nos ajudar a elaborar o nosso pensamento, não será descabido
colocar um trecho da peça de teatro “O diabo vermelho” de
Antoine Rault, tão condizente com a actualidade.
Diálogo entre Colbert
e Mazarino durante o reinado de Luís XIV
"• Colbert: Para encontrar
dinheiro, há um momento em que enganar [o contribuinte] já não é
possível. Eu gostaria, Senhor Superintendente, que me explicasse
como é que é possível continuar a gastar quando já se está
endividado até ao pescoço…
• Mazarino: Se se é um simples
mortal, claro está, quando se está coberto de dívidas, vai-se
parar à prisão. Mas o Estado… o Estado, esse, é diferente!!! Não
se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a
endividar-se… Todos os Estados o fazem!
• Colbert: Ah sim? O Senhor acha
isso mesmo ? Contudo, precisamos de dinheiro. E como é que havemos
de o obter se já criámos todos os impostos imagináveis?
• Mazarino: Criam-se outros.
• Colbert: Mas já não podemos
lançar mais impostos sobre os pobres.
• Mazarino: Sim, é impossível.
• Colbert: E então os ricos?
• Mazarino: Os ricos também não.
Eles não gastariam mais. Um rico que gasta faz viver centenas de
pobres.
• Colbert: Então como havemos de
fazer?
• Mazarino:
Colbert! Tu pensas como um queijo, como um penico de um doente! Há
uma quantidade enorme de gente entre os ricos e os pobres: os que
trabalham sonhando em vir a enriquecer e temendo ficarem pobres. É a
esses que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais!
Esses, quanto mais lhes tirarmos mais eles trabalharão para
compensarem o que lhes tirámos. É um reservatório inesgotável."
A corrupção existente
numa sociedade, salvo as devidas excepções onde se tenta modificar
as mitológicas elites vigentes, é produto do grupo de indivíduos
que se encontram no meio, seja lá o que a sociedade da altura
considera “no meio” ou médio. Se tomarmos como exemplo o
cristianismo e o funcionamento da sua trindade, verificaremos que o
Pai e o Filho são unidos pelo Espírito Santo num uno (Deus é trino
e uno). Quando esse mesmo espírito (o que surge no meio e une)
contempla o homem (denominação de Graça), este torna o homem uno
na sua vida terrena com o seu interior (homem completo, ou homem
feliz em termos terrenos).
Da mesma forma, em termos
sociais, é na ausência de um espírito unificador dos que estão no
meio onde se poderá verificar o estágio e evolução de uma
sociedade.
Numa
sociedade que se denomina capitalista e onde a palavra capital se
esvaziou numa nuvem de irracionalidade, pois desde à muito capital
passou a ser abjectamente e apenas sinónimo de crédito financeiro,
separando-a de toda e qualquer ligação ao conceito abrangedor de
capitalidade, tal como nos diz Rault na
sua irónica peça, cabe ao que se denomina desde o Séc. XIX classe
média, no
seu interesse, medo e honra, na sua ânsia face à potencial riqueza
ou pobreza material, constituir
todo um conjunto de mitos e crenças sociais expressas em dúbias
constituições, que de
republicanas apenas possuem o nome,
que tendem ao - “adormecer o espírito humano num certo
associonismo psíquico” – que
nos fala Leonardo Coimbra, por intermédio do que se denomina líderes
de opinião, elementos que
regra geral se encontram no que denominaram classe-média/média-alta.
É
pois com lamentável impotência, que os filósofos sentem
uma desconcertante incapacidade de comunicar enquanto vivos (quando
desaparecidos, a classe média procede regra geral à constituição
de ideologias sobre o que o filósofo disse ou escreveu),
pois a posição de Boécio face à discussão entre eutiquinos e
nestorinos, parece nunca os
abandonar, ratificando o sentido da célebre frase do
mártir: - Perante
tal loucura, eu sentia-me uma pessoa sã no meio de desvairados, mas
se me erguesse e pedisse para falar, ir-me-ia sentir um
desvairado no meio de pessoas sãs.